Escolher: até o silêncio decide
- João André Rodrigues

- 5 de set.
- 4 min de leitura

Escolher, às vezes, parece fácil: algo se destaca, e diz “é por aqui”, e seguimos quase sem hesitar. Em outros momentos, tudo fica turvo e opaco; qualquer direção parece arriscada, e a melhor decisão vira adiar a decisão. O curioso é que, mesmo quando acreditamos não estar escolhendo, alguma coisa ou algo escolhe por nós. O “deixa como está”, o “depois eu vejo”, o “não agora” também movem e direcionam a vida. Não existe neutralidade: o não escolher é um modo de escolher — silencioso, mas eficaz — e, se não percebemos isso, vamos entregando o leme e a direção, o destino, sem perceber.
Sem um mapa que delineie nossas necessidades, preferencias e visão de mundo, acabamos andando em círculos perpétuos, retroalimentados pelo que parecem forças misteriosas que não nos dão possibilidade de escolha. E começamos a colecionar sinais — conselhos prontos, frases de efeito, qualquer farol que prometa direção.
Nem tudo que importa chega com holofotes. No dia a dia, uma possibilidade costuma brilhar enquanto outras, igualmente reais, permanecem discretas, do lado de fora do foco. Às vezes não faltou coragem; faltou luz. Quando aceitamos que nossa visão é sempre parcial — e que atenção é um recurso limitado — ganhamos gentileza com as próprias decisões. Começamos a perguntar: o que estou vendo com nitidez agora? O que pode estar fora do meu radar? Ao fazer espaço para essas perguntas, outras saídas começam a se desenhar, não por mágica, mas porque nossa atenção abre caminho para alternativas que estavam abafadas pelo barulho.
As escolhas também não nascem no vazio. Elas acontecem em relação: com a nossa história, com as palavras, crenças e valores que herdamos, com as condições de trabalho, com a pele e com quem amamos, com quem está perto, com o tempo presente. A liberdade existe, mas ela tem contornos. Há fases em que os recursos são escassos, outras em que se ampliam; há vínculos que sustentam, outros que pedem cuidado; há contextos que convidam, há contextos que exigem e outros que limitam e machucam. Reconhecer esses contornos não diminui nossa autoria — humaniza e da contornos. E notar as brechas, mesmo pequenas, devolve dignidade e alteridade ao gesto possível de hoje. Não precisamos de um campo infinito para nos mover; precisamos de honestidade e autenticidade para reconhecer o terreno e escolher nossos passos com intencionalidade e realismo.
Toda escolha carrega alguma renúncia. Às vezes pesa como um muro: “e se eu errar?”, “e se não for o melhor?”. Outras vezes abre janela: “é isso que consigo sustentar agora”. As duas experiências convivem e energizam uma a outra, dão sentido. O ponto não é vencer o peso, e sim reconhecer o que fazemos com ele. Quando sabemos por que dizemos “sim” e a quê estamos dizendo “não”, a responsabilidade deixa de ser fardo mudo e vira habilidade de responder, um contorno que nos orienta. A dúvida não desaparece, mas fica respirável quando é aceita e tem seu lugar à mesa.
Há sempre o risco silencioso nos dias corridos, atarefados e sufocantes dos resultados esperados, sempre maiores: esquecer que estamos escolhendo. Quando essa consciência se apaga, começamos a nos confundir com o que acontece ao redor, como se a vida fosse empurrando e nós apenas seguindo para a próxima demandada. O problema não é “escolher mal”; é perder o fio de que, a cada pequena curva, estamos nos posicionando — mesmo que seja para pausar. Recuperar esse fio é retomar o próprio nome dentro das decisões: “sou eu quem está aqui, diante disso, fazendo o melhor que posso com o que tenho hoje”.
Se fizer sentido, experimente algo simples no ritmo do seu dia. Primeiro, conceda um minuto para observar uma situação que parece ter apenas um caminho. Pergunte-se, com curiosidade: existe alguma alternativa discreta que não considerei? Talvez um ajuste de prazo, um pedido de ajuda, um recorte menor da tarefa. Depois, nomeie o contexto com sinceridade: o que, nas suas condições atuais, amplia ou estreita seu horizonte? Dar nome às forças em jogo não é desculpa; é mapa. Por fim, escolha um gesto mínimo e honesto, em vez de buscar a solução perfeita e distante. Um passo sustentável — feito com presença — costuma valer mais do que três idealizados que nunca saem do papel.
Cuidar das escolhas é, no fundo, cuidar de si. É afinar a percepção do que ganha foco e do que fica de fundo; é reconhecer os contornos da própria liberdade sem perder de vista as brechas; é permitir que a dúvida conviva com a coragem (Courage, francês medieval: agir sustentado pelo coração); é lembrar, com delicadeza, que até o silêncio decide. Talvez a vida não peça respostas definitivas agora. Talvez peça apenas que você esteja inteiro diante da pergunta — atento ao que emerge, respeitoso com o que ainda não se mostra, responsável pelo passo que é possível hoje.
Se essa conversa tocou algo em você, siga comigo mapeando nossas escolhas dia a pos dia. Há sempre mais desdobramentos, perguntas e bons silêncios sendo escolhidos a todo momento. 🌿



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